terça-feira, 17 de março de 2015


Hoje penso em vinho, cerveja e comida. O vinho porque me costuma andar pela cabeça, a cerveja porque vi uma notícia no fim-de-semana e a comida porque sim. 
Os assuntos de Baco e Pantagruel sempre me interessaram. Confesso que nada percebo de vinho, sei apenas quando gosto e o quanto gosto. A minha paixão contínua é o tinto maduro e de preferência com algumas histórias para contar. Pontualmente deixo-me embalar pela cantiga de um verde tinto da casta vinhão ou mesmo branco desde que seja loureiro. Esta conversa toda nem é para falar dos meus gostos, mas apenas das minhas impressões sobre como o vinho foi ganhando lugar de destaque na sociedade e na economia.
Em qualquer mesa o vinho ocupa um lugar tão importante como a comida, mas nem sempre assim foi. Beber vinho é um costume que se está a introduzir na actual sociedade, transversal a todos os estratos ( há-os…) e sectores sociais. Num passado ainda próximo, senão presente, nos meios rurais o consumo de vinho por parte da população feminina era visto como um defeito que seria directamente proporcional à quantidade de bebida. Tudo o que passasse de molhar os lábios poderia ser encarado como um problema grande. A mulher perfeita nunca na vida poderia ter tocado numa gota de vinho. Gosto de ouvir as histórias de vida das pessoas mais velhas e já ouvi tanto homem exacerbar essa virtude na mulher (ou esposa!!) e nas filhas… mas as mulheres de hoje gostam de vinho e já não têm medo de beber. Um encontro de amigos, uma tertulia, um simples jantar prolongam-se com um (ou mais do que um…)copo de vinho na mão que se vai agitando, aquecendo, cheirando, provando e bebendo. Serão as mulheres de hoje mais corajosas do que as de ontem? Não me parece. O que tenho visto e sentido aponta num sentido diferente. O vinho, que antes era coisa de macho, e dava direito a uns tabefes na fêmea se a coisa para isso desse, hoje está revestido de tanta poesia que começa a ser suspeito como bebida de macho que assim se quer manter. Repare-se, antigamente o vinho tinha cheiro, a vinho claro!! Hoje deixou de ter cheiro e passou a ter aroma, e o aroma como coisa fina e elegante já não é a vinho, credo, hoje o vinho, esse pobre, foi despojado do seu cheiro forte de vinho com mais desta ou daquela casta, com mais madeira ou menos e ganhou aromas florados ou frutados, com toque de frutos vermelhos ou exóticos ou aromas primários ou trabalhados, enfim cá para nós, que ninguém nos ouve o vinho ficou um nadita amaricado. Outra coisa que o vinho ganhou (ou perdeu) foi corpo que ocupou o lugar do “pomadão “ ou “carrascão”, agora tem um “corpo elegante que permanece em boca com alongamentos de sabor e textura delicada” ou “taninos suaves e delicados que envolvem a boca e perduram com suavidade”, nada de deixar a “boca grossa”. E sobre a cor? Antes olhava-se e ou estava turvo ou limpo, mais tarde o termo cristalino foi introduzido no léxico sem ofender os ouvidos másculos. Hoje, a cor, para quem tenha veia poética, dá para umas horas de conversa, e deixou de ser cor-de-vinho e passou a ser rubi, granada, bordeux, âmbar, citrino… depois fala-se do brilho, da idade que a cor transparece, eu sei lá. No fundo é um mundo de fantasia, porque na verdade vinho é vinho, e isso deveria ser suficiente, apenas porque vinho é bom. Mas não, foi preciso enrolar o vinho num papel apetecível às massas para ele ser aceite pela sociedade. O Vinho, simples e singelo enche o cálice dos católicos, simbolizando o sangue de cristo, enche alguns dos versículos mais bonitos da Bíblia, perdeu estatuto e recuperou-o graças à poesia.
Agora a cerveja vou-me alongar pouco porque disto ainda percebo menos do que de vinho (mas também gosto!!). No fim-de-semana vi uma noticia sobre cerveja artesanal. E ouvi os produtores a enaltecerem as suas características…poéticas, o aroma frutado, a cor, a textura… não ouvi nenhum falar de CERVEJA. Estou cansada. Vou deixar isto para depois.
by, Anabela Bragança

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