Este
foi o primeiro livro que li de Valter Hugo Mãe. Ao inicio achei o tom coloquial
descabido, de difícil entendimento. Com o correr das linhas e a entrada no
texto percebi que a conversa, digo a escrita, era para mim, apenas para mim. A partir
daqui foi um misto de choro/riso. No inicio emocionei-me com o amor do senhor
silva pela sua laura e pelos seus filhos e com o seu sofrimento ao ser
despejado no feliz idade, no final ri até às lágrimas com as dores da d. glória
dos linhos e do sr. pereira. Resumo feito, se me alargo conto toda a história.
Agora
falando sério. O texto é magnifico, escrito de forma a que o leitor tem que estar
lá, no feliz idade, sentindo o que sentem aqueles velhos perdidos da vida mas
ainda não encontrados da morte, que a desejam, mas fugindo-lhe. O enredo retrata
a vida, com enfoque especial na sua recta final. A personagem/narrador fala-nos
do seu passado e da ausência de futuro que a morte da sua laura lhe deixou, mas
fala também de descobertas absolutamente surpreendentes: a alegria só porque
sim, sem ser à volta da família; a amizade, sentimento que desconhecia dado a
sua exclusiva dedicação à família; o medo da morte, mesmo ansiando por ela.
De forma
muito sábia somos conduzidos pelas consciências de quem viveu no fascismo, a
revolta calada por medo e cobardia, o horror da censura, o terror da pide e de
tudo o que se fazia para a evitar. Somos ainda confrontados com uma coisa de que
não é politicamente correcto falar, a velhice. O fardo que os velhos
representam para as famílias quando perdem autonomia, a forma como são
tratados, o roubo da dignidade.
Se as
minhas recomendações tiverem valor para alguém, este é de ler. Passar umas horas
com o esteves sem metafísica, mas com cem anos, o sr. silva e o outro, o silva
da europa , o sr anisio perdido de amores pela d. glória dos linhos, a mariazinha
a quem são roubadas as pombas que lhe enfeitam a nuvem, o sr. pereira e o Américo
sempre triste de morte embora ainda no principio da vida… é um privilégio.
Como de costume Garcia Marquez conduz-nos pelo caldo morno das emoções colombianas, que são afinal as da humanidade. As descrições do clima, do ambiente, são de tal forma densas que o leitor não tem outra hipótese a não ser mergulhar de cabeça na realidade que lhe é descrita. Neste romance os personagens de outras paragens acabam por ser lembrados, de alguma forma existe uma transversalidade entre os seus romances que faz com que a presença de uma Aureliano seja sempre normal. Elementos presentes, nesta e noutras obras, são a corrupção, a cobardia, a coragem, a indolência, a tenacidade.
Uma bela madrugada César Montero vai sair de casa para mais uma das suas
caçadas e descobre um papelito pregado na sua porta, retira-o, lê-o, sai da
aldeia, regressa e vai a casa do Pastor, musico talentoso e muito cobiçado pela
comunidade feminina, e abate-o como se de um frango se tratasse. A partir deste
momento a história progride, os pasquins passam a ser uma constante. Nenhum diz
nada que não seja do conhecimento geral mas toda a gente tem medo deles, tanto
medo que as forças policiais são chamadas a intervir e até o padre, homem velho
e dedicado como ninguém ao serviço do Senhor, se sente na obrigação de tentar
travar o descalabro social, que ameaça reinstalar a podridão que tanto lhe
custou a eliminar.
Saramago é um dos escritores que me enche as medidas, o Memorial o meu livro favorito....
“Deitaram-se.
Blimunda era virgem. Que idade tens, perguntou Baltazar, e Blimunda respondeu,
Dezanove anos, mas já então se tornara muito mais velha. Correu algum sangue
sobre a esteira. Com as pontas dos dedos médio e indicador humedecidos nele,
Blimunda persignou-se e fez uma cruz no peito de Baltazar, sobre o coração.
Estavam ambos nus. Numa rua perto ouviram vozes de desafio, bater de espadas,
correrias. Depois o silêncio. Não correu mais sangue.
Quando, de manhã, Baltazar acordou, viu Blimunda deitada ao seu lado, a comer
pão, de olhos fechados. Só os abriu, cinzentos àquela hora, depois de ter
acabado de comer, e disse, Nunca te olharei por dentro ”
SINOPSE
Sobre José Saramago não é preciso dizer nada. O seu espólio já
foi reconhecido mundialmente tendo-lhe sido atribuído o mais importante
galardão - o Prémio Nobel (1999). Por vezes a sua leitura torna-se um pouco
menos apetecida pelo leitor com menos hábitos ou mais conservadores, porque a
sua criatividade leva-o a ultrapassar certas regras ortográficas e de sintaxe.
Quando se lê Saramago é como se estivéssemos a ter uma conversa com alguém. O
leitor faz parte da escrita podendo perguntar e responder. Cruzam-se traços que
podem caracterizar diferentes espaços temporais sem que haja desenquadramento
de uns em relação aos outros.
No Memorial do Convento o leitor fica a conhecer a história do Convento de
Mafra, e da vida social que se desenrolou à sua volta, tendo diferentes
perspectivas ( a real, a do clero e sobretudo a dos trabalhadores). De uma
forma muito peculiar ficamos a conhecer os tormentos porque passou o povo
durante a construção do dito Convento. Esta construção megalómana surge como
pagamento de uma promessa feita pelo rei, caso a rainha engravidasse.
Naturalmente que o povo, como mostra do seu agradecimento, deve contribuir para
a obra pois as preces nacionais foram ouvidas por Deus. Em paralelo ficamos a
conhecer uma história protagonizada por um trio muito sui generis um
padre com manias de engenheiro aeronáutico, um soldado maneta e uma mulher
capaz de ver e apanhar almas desde que esteja em jejum. Este trio vai construir
uma passarola voadora que se movimenta à custa de vontades aprisionadas. Vamos
ficar sabedores de todas as peripécias que envolvem a construção da
passarola. O trio vai conhecer a liberdade que está vedada a todos os outros.
Contudo depois de a conhecerem finalmente caem na alçada da Inquisição.
Baltazar e Blimunda, casal ilegítimo por vontade, vão viver uma história de
amor tão intensa e poderosa que vai ser capaz de sobreviver à própria morte.
Anabela.
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