POR AÍ...

As gentes de Valbom...

A viagem a Pinhel assumiu diferentes vertentes, consoante a perspectiva. Uma das componentes era conhecer e ser conhecido, aceitar e ser aceite. Existia também uma forte componente de partilha, o levantar de um véu que permite um vislumbre do passado, uma pequena viagem pelas raízes, com histórias, por certo já contadas e recontadas noutras tertúlias, que servem para colorir todas as vidas, que alegram quem ouve e quem conta. Quem ouve sente-se integrado, quem conta revive com alegria ou dor (porque nem todas as histórias são alegres!) mas revive, sente de novo na alma o que sentiu anos atrás quando tudo aconteceu. E porque muito da viagem passava por ver pessoas essas deixaram uma marca indelével em quem visitava. Os homens receberam com naturalidade, tios e primos aceitaram sem perguntas e sem reservas quem vinha de novo, quem, de certo modo, se apresentava a aprovação. Homens de alma forte e rosto curtido pelo sol de muitos verões e pelo frio de muitos invernos. As mãos calejadas contavam histórias em que a boca não precisava de entrar. Daquelas mãos saiu o corte sábio que orientou a vara da videira durante a poda, as mesmas mãos que receberam com amor a uva farta e doce, prenhe de sol e sabor, as mãos que voltearam pipas para as lavar, que bateram as aduelas para as apertar. Essas mãos que afagam a cabeça de netos e netas com carinho e ternura, o mesmo com que acariciam plantas e animais, num jeito de agradecer as suas dádivas, mesmo sem pensarem no assunto. É… são mãos que têm vida para além da própria vida. São mãos que vão ensinando os mais novos a amar e a agradecer a dádiva, que para uns é de Deus, para outros apenas da Mãe Natureza, que o fazem de forma tão espontânea que o cérebro nem regista o acontecimento e muito menos o valoriza de forma conveniente. Sim, a essas mãos sábias, falha-lhes por vezes a consciência do seu verdadeiro valor, tão banal se torna para seu dono aquilo que de fabuloso têm nos seus nós… cada calo é resultado de muito trabalho, alguns são tão específicos que só uma determinada tarefa os pode justificar, outros são transversais a muitas actividades, mas em todos se pode ler vida e labor. Em algumas mãos, as dos tios é bom de ver, existem também as histórias que cada ruga carrega, o muito que foi vivido, os sonhos concretizados, os abandonados e os desfeitos… as mãos mais jovens já carregam também muita história, revelam as marcas da perseguição que se faz aos objectivos de vida, do cuidado que se coloca na vida dos filhos, do prazer com que se manuseia uma colher de pau ou uma faca de fatiar presunto… são mãos delicadas estas também… delas se pode dizer que serão capazes de compor sinfonias.As mulheres de Pinhel foram uma revelação, são mulheres lindas, independentemente de terem seis ou sessenta anos são mulheres belas. Algumas, pela proximidade no contacto, acabaram por deixar marca. A primeira de todas, a tia, é uma voz de neta num corpo de avó. Uma voz deliciosa, que revela uma alma sensível, uma mente aberta à novidade e ao saber. Esta mulher ressuma histórias, de filhos, de netos, do marido… recebe a novidade com a doçura de quem gosta de gostar. Com alegria vai falando do passado, nas entrelinhas lê-se o saber que acumulou. As histórias de uma vida vão aflorando, da forma como olha o marido, o carinho que coloca ao preparar o seu prato sente-se, torna-se palpável. A Madrinha na sua baixa estatura deixa ver a mulher gigante que a vida fez. É uma mulher miudinha, de olhos muito vivos, a carne não representa carrego para os ossos, existe apenas na proporção certa para os aconchegar sem os esconder. Esperava as visitas, com alguma curiosidade, afinal a novidade na vida de quem se gosta envolve sempre sentimentos contraditórios, e desta mulher pode-se dizer que gosta. Nas suas costas estavam duas outras mulheres que olhavam para ela com a ternura com que os filhos pequeninos olham para as mães. Estas mulheres são comparativamente mais jovens, maiores, aparentemente mais fortes, mas é nítida a dependência que têm em relação à figurinha pequena da Madrinha. Dela emanam todas as orientações que as mantêm vivas. Do que se conhecia desta mulher poderia ter-se um preconceito de alguém amargurado pela vida, que lhe foi madrasta cruel e não mãe doce, mas não, existe uma mulher serena que ressuma felicidade e tranquilidade para quem dela se aproxima. Transpira cuidado no trato aos outros, mesmo que sejam pessoas com algumas nuances de feitio potenciadoras de conflito sabe tornear esses possíveis obstáculos e conseguir uma convivência sadia e proveitosa. Foi a Madrinha que levou estes passeantes a conhecer uma mulher deveras interessante. O seu conhecimento era um dos motivos da visita, a essa mulher é atribuído algum poder de curar coisas que a medicina não consegue ultrapassar. Vive numa casa simples extremamente limpa. Mulher forte de temperamento, de fé inabalável em Deus e no Seu Filho, mas que também aceita santos e santinhos, que sendo divindades de segunda, ocupam na sua fé um lugar de primeira. Acredita no poder da palavra, para o bem e para o mal, as más palavras serão fonte de mal, mas a oração certa será capaz de contrariar o mal e restabelecer a ordem. Amiga de partilhar o seu saber e a sua fé, fala pausadamente para que sejam tomadas notas que os ouvintes achem pertinentes, presta esclarecimentos, no fundo partilha com os aflitos aquilo que crê ser a cura do mal que à sua porta os levou. Conversa sem medo sobre os poderes da sua oração, partilha as relíquias que tem, por muito que seja o seu valor, quase se pode dizer que se tivesse nascido noutro tempo e espaço poderia fazer o juramento de Hipócrates com convicção, tal é a sua vontade de curar. Em dois dias só se podem recolher impressões superficiais mas as gentes de Valbom marcam, independentemente da idade são figuras marcantes… (by, Anabela Bragança)




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