As pontes do amor
Cirandando
pela net tropecei numa imagem horrível de cadeados. Isso trouxe-me à memória um
dia em que, passeando por Veneza, fui confrontada com alguns quilos, muitos de
certeza, de ferralha agarrada às pontes, não às de pedra, mas em todas as outras
em que existe algum sítio para pendurar. Fiquei curiosa, e fui investigar. Perguntei
a uns adolescentes, ainda imberbes, que me explicaram ser uma tradição para selar
o amor que os unia. Pessoalmente achei o espectáculo aberrante, na altura
apenas pela sua fealdade, posteriormente também pelo ridículo que encerra em
si. Dei uma volta pela net e encontrei aquela que pode ser a origem deste
costume imbecil, que até pode fazer sentido tratando-se de adolescentes, mas
que ao tocar em adultos assume um carácter de tal forma ridículo que me
arrepia. Terá sido um romancista italiano, Francisco Moglia, o “pai-sem-querer”
desta pseudotradição, uma vez que em dois dos seus romances de amor
(antigamente chamavam-se “de cordel”…) os apaixonados fazem as juras de amor
eterno sobre a ponte Milvio, acorrentam esse amor e de seguida lançam a chave às
águas do Tibre. Ora esta bizarrice já provocou estragos nesta ponte e só não
continua porque as autoridades, em claro desrespeito pela seguranças dos amores
jurados, vão eliminando o lixo e deixando a (velhíssima) ponte limpa de tolices
e disparates. Se tem ficado por lá, por Roma, enfim… quase se aceitava, mas não,
a tolice alastrou e neste momento a sagrada instituição do matrimónio corre
sérios riscos de ser substituída por outra aparentemente mais segura. Os adultos
sabem que o casamento não confere lá grande segurança à eternidade dos amores e
então é vê-los, quais diminuídos em termos sinápticos, a aferrolharem o amor
numa qualquer ponte, de preferência longe, para garantir a quimera, lançando
com fervor e juras solenes as chaves dos cadeados às águas de um qualquer rio. Em
Paris foi feito um apelo para que o amor parasse de colocar em risco obras belíssimas
e tão prenhes de história e que já sobreviveram a guerras (que tristeza…
sobreviver a guerras e morrer em nome de tanto amor!) mas parece que isso não
surtiu efeito. Em Roma e na Irlanda não há qualquer contemplação das autoridades
pelos “acadeamentos” e de pronto são removidos (será isso divórcio?). Por cá já
se vêem, mas ainda não são perigosos. Mas não deixa de ser crime!
Quando
comecei a pensar neste assunto a primeira palavra que me assomou ao espírito
foi “vandalismo” e é a que se mantém. É vandalismo alterar/destruir/mutilar
algo. Se aplicado a edifícios ou monumentos assume um carácter ainda mais
agressivo. Seria então conveniente que esta nova categoria de vândalos – os vândalos
do amor – se deixasse de tolices e se lembrasse que a história (e seus monumentos!)
não tem donos nem amarras. Os jovens podem sempre manter-se apegados às tradições
dos cadeados virtuais, os adultos, depois de crescerem ficam a saber que o amor
é eterno até que se acaba. A santa madre igreja anda há séculos a tentar garantir
a eternidade do amor sem sucesso, não será, por certo, a obra de um qualquer
engenheiro a consegui-lo. Ainda nenhuma universidade tem o curso de “engenharia
do amor”…
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