segunda-feira, 15 de setembro de 2014

As pontes do Amor



As pontes do amor
Cirandando pela net tropecei numa imagem horrível de cadeados. Isso trouxe-me à memória um dia em que, passeando por Veneza, fui confrontada com alguns quilos, muitos de certeza, de ferralha agarrada às pontes, não às de pedra, mas em todas as outras em que existe algum sítio para pendurar. Fiquei curiosa, e fui investigar. Perguntei a uns adolescentes, ainda imberbes, que me explicaram ser uma tradição para selar o amor que os unia. Pessoalmente achei o espectáculo aberrante, na altura apenas pela sua fealdade, posteriormente também pelo ridículo que encerra em si. Dei uma volta pela net e encontrei aquela que pode ser a origem deste costume imbecil, que até pode fazer sentido tratando-se de adolescentes, mas que ao tocar em adultos assume um carácter de tal forma ridículo que me arrepia. Terá sido um romancista italiano, Francisco Moglia, o “pai-sem-querer” desta pseudotradição, uma vez que em dois dos seus romances de amor (antigamente chamavam-se “de cordel”…) os apaixonados fazem as juras de amor eterno sobre a ponte Milvio, acorrentam esse amor e de seguida lançam a chave às águas do Tibre. Ora esta bizarrice já provocou estragos nesta ponte e só não continua porque as autoridades, em claro desrespeito pela seguranças dos amores jurados, vão eliminando o lixo e deixando a (velhíssima) ponte limpa de tolices e disparates. Se tem ficado por lá, por Roma, enfim… quase se aceitava, mas não, a tolice alastrou e neste momento a sagrada instituição do matrimónio corre sérios riscos de ser substituída por outra aparentemente mais segura. Os adultos sabem que o casamento não confere lá grande segurança à eternidade dos amores e então é vê-los, quais diminuídos em termos sinápticos, a aferrolharem o amor numa qualquer ponte, de preferência longe, para garantir a quimera, lançando com fervor e juras solenes as chaves dos cadeados às águas de um qualquer rio. Em Paris foi feito um apelo para que o amor parasse de colocar em risco obras belíssimas e tão prenhes de história e que já sobreviveram a guerras (que tristeza… sobreviver a guerras e morrer em nome de tanto amor!) mas parece que isso não surtiu efeito. Em Roma e na Irlanda não há qualquer contemplação das autoridades pelos “acadeamentos” e de pronto são removidos (será isso divórcio?). Por cá já se vêem, mas ainda não são perigosos. Mas não deixa de ser crime!  
Quando comecei a pensar neste assunto a primeira palavra que me assomou ao espírito foi “vandalismo” e é a que se mantém. É vandalismo alterar/destruir/mutilar algo. Se aplicado a edifícios ou monumentos assume um carácter ainda mais agressivo. Seria então conveniente que esta nova categoria de vândalos – os vândalos do amor – se deixasse de tolices e se lembrasse que a história (e seus monumentos!) não tem donos nem amarras. Os jovens podem sempre manter-se apegados às tradições dos cadeados virtuais, os adultos, depois de crescerem ficam a saber que o amor é eterno até que se acaba. A santa madre igreja anda há séculos a tentar garantir a eternidade do amor sem sucesso, não será, por certo, a obra de um qualquer engenheiro a consegui-lo. Ainda nenhuma universidade tem o curso de “engenharia do amor”…

Nenhum comentário:

Postar um comentário